Pesquisando meus arquivos sobre a Copa de 2014 que o Brasil vai sediar, encontrei o artigo que reproduzo a seguir, escrito no ano passado por um jornalista britânico. É um texto que se torna atualíssimo, no momento em que cresce a polêmica sobre os gastos astronômicos que o Brasil fará para sediar o Mundial, e as dúvidas sobre o custo benefício que teremos, principalmente quanto ao dinheiro público que será gasto no evento, como a isenção fiscal de R$ 400 milhões da Prefeitura de São Paulo para a construção do Itaquerão do Corinthians, e o “empréstimo” de outros R$ 400 milhões ao Corinthians com a mesma finalidade, que tudo indica vai ser mais um calote para o contribuinte pagar, pois nunca vi clube de futebol quitar uma dívida desse porte. A justificativa do prefeito Gilberto Kassab é a previsão de um “retorno” de R$ 1 ,5 bi só com a abertura da Copa na cidade.
Leiam o artigo de Simon Kupper, escrito no ano passado, e saibam porque o prefeito está delirando, depois do que aconteceu na Copa de 2010.
África do Sul não teve legado e Brasil também não terá
Simon Kuper* Aconteceu há cerca de um mês na África do Sul e forneceu um presságio de como terminarão a Copa de 2014 e a Olimpíada 2016, no Brasil. Num sábado gelado em Johannesburgo, dezenas de autoridades brasileiras estavam em um centro de convenções chique, para ouvir representantes sul-africanos explicar como é, realmente, sediar uma Copa - nas palavras de um dos sul-africanos, para ouvir sobre "alguns dos cortes e contusões que sofremos”.
Os brasileiros ouviram coisas pouco animadoras. Talvez a mais desanimadora tenha vindo de uma senhora (cujo nome não citarei), alta funcionária de Gauteng, a Província onde fica Johannesburgo. Ela contou que, no início de 2009, analisou o impulso econômico projetado que a África do Sul vinha dizendo a seus cidadãos que a Copa traria ao país. Ela olhou e não encontrou quase nada.
A África do Sul vinha dizendo (como está dizendo o Brasil agora) que o Mundial aumentaria o turismo, geraria empregos, levaria à construção de infraestrutura útil e assim por diante. O que ela percebeu em 2009 foi que: "[A Copa] não nos traria os benefícios que tínhamos dito ao país que nos traria". É verdade que o torneio melhoraria um pouco o transporte público de Johannesburgo, mas "não tanto quanto pensávamos”.
E assim, mais de um ano antes do pontapé inicial, Gauteng deixou de lado as esperanças de um reforço econômico. Em vez disso, passou a enxergar a Copa do Mundo como exercício de "branding" -"praticamente um comercial de 30 dias de duração de Gauteng". E isso foi tudo o que ela mostrou ser, disse a senhora aos brasileiros.
Perguntei a ela por que todo o tão divulgado reforço econômico não chegara a acontecer. Novamente ela foi franca. "Se você analisar as pesquisas sobre megaeventos, todas as conclusões são que os retornos econômicos são altamente inflados por pessoas que esperam lucrar com os eventos." É por isso que consultorias contratadas pelo governo brasileiro para "estimar" (ou adivinhar) o reforço econômico que o Brasil terá com sua Copa e sua Olimpíada escrevem relatórios tão otimistas.
A história contada por essa senhora é a história de quase todas as Copas, das Olimpíadas e dos estádios construídos pelos contribuintes: o estímulo econômico prometido nunca chega a se concretizar, como Stefan Szymanski e eu mostramos em nosso livro "Soccernomics". O Brasil vai descobrir a mesma verdade depois de 2014.
*Simon Kuper é colunista do jornal britânico "Financial Times" e co-autor do livro "Soccernomics". Tradução de Clara Allain. Publicado originalmente no caderno "Esporte" da "Folha de S.Paulo" em 3/8/2010
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